terça-feira, 15 de novembro de 2016

A Educação e as tecnologias


O filósofo, teólogo e educador Mario Sergio Cortella trata de educação e as novas ferramentas tecnológicas que alunos e escolas estão usando mais a cada dia entre outros temas que envolve a educação.
Nascido em Londrina (PR), Cortella é professor há 36 anos na PUC-SP. É autor de 13 livros, próprios e escritos em parcerias. Entre eles, “Não nascemos prontos!” (Vozes); “O que é Pergunta?”, com Silmara Casadei (Cortez); “Escola e Preconceito: Docência, Discência e Decência”, com Janete Leão Ferraz (Ática).
Qual é o papel da escola na educação?
Educação não é sinônimo de escola. Escola é uma das formas de educação. Em um país com 512 anos, a escola mesmo não tem 120 anos. Só no período republicano se oferece alguma escolarização pública. Na prática, só a partir de 1930, com a revolução liberal, que se entendeu escola pública como instrumento de organização nacional.
Como está a educação no Brasil?
O Brasil tem níveis avançados de educação mas não de escolarização. Se faz educação na mídia, na família, na igreja, na atividade de comércio. Somos a 6ª economia do planeta, mas somos o 66º país em educação escolar. Temos internamente um nível de alfabetização digital muito forte.

Qual é a razão?
É só observar que as nossas eleições, ao contrário de muitos países, ela é feita toda de maneira digital. Somos um dos três países que possuem o maior número de celulares no mundo.
O governo está fazendo a parte dele?
Na educação escolar, começamos, nos últimos 20 anos, a sair da indigência. Os dois governos do Fernando Henrique Cardoso, os dois do Lula e o de Dilma começaram a nos tirar da indigência. Na prática, a educação chegou ao povo. Expandimos o ensino fundamental a níveis de matrícula crescente. Agora temos mecanismos de avaliação que levam à reorientação de processos. A possibilidade de estender o financiamento, que era exclusivo para o ensino fundamental, para a educação básica em geral. Nossos índices mostram que ainda podemos crescer cada vez mais em uma direção positiva.
As mudanças de governo interferem no avanço da educação?
A continuidade administrativa não garante qualidade. Se assim fosse, a ditadura teria conseguido os melhores resultados escolares. O que dá continuidade é a adoção de algumas políticas positivas que são importantes.

Qual é a influência as novas tecnologias (iPad, celulares etc.)?
Afeta o aprendizado de dois modos, de maneira bastante positiva. As novas gerações, aqueles que têm menos de 18 anos, voltaram a escrever. É uma coisa inédita nos últimos 30 anos.
E qual é o lado negativo?
As novas tecnologias têm um lado perigoso por permitir um acesso veloz. Ela dispersa a atenção. Por isso que a escola precisará, junto com a família, organizar situações em se usa essa plataforma naquilo que ela é decisiva, acesso rápido à informação, e bloquear aquilo que nela é distrativo. A escola e a família terão de trabalhar essa questão do foco.
O ideal é mesclar o digital e o analógico?
Sim. Porque isso permite a capacidade de usar a mais antiga plataforma de ensino à distância: livro, revista e jornal. O tablet é muito conveniente se eu vou viajar e não quero ficar carregando livros.
Que papel tem essas ferramentas no aprendizado?
As plataformas digitais mudam o modo de pensar, com a velocidade. Mas não podem criar dependência. Não há tecnologia que modernize uma mentalidade, mas uma mentalidade moderna não recusa uma nova tecnologia quando ela é necessária.
Como tornar as aulas mais atraentes?
O problema não está na tecnologia e sim no nível de interesse que o aluno carrega. Preciso ter uma conexão que seja interessante para ele. A frase mais óbvia em educação é: ‘ninguém deixa de se interessar por aquilo que interessa’. Eu preciso saber quais são os campos de interesse desse grupo. Se vou discutir o cinismo como escola filosófica, eu posso, em vez de começar a falar sobre Diógenes, fundador dessa escola, vivia dentro de um barril. Do ponto de vista abstrato, pegar a música da Lady Gaga “Poker Face” e começar a discutir como o pôquer é uma expressão do cinismo.
E como não perder o foco?
Não se pode confundir informação com conhecimento. Informação é cumulativa. Conhecimento é seletivo. É preciso ter capacidade de seleção que exige critério. Um dos temas centrais hoje em dia nas escolas é discutir com os alunos, qual é o foco deles. Muita gente não navega, naufraga com tanta informação.
E o pessoal que tem muitos amigos na rede e vive solitariamente?
Tenho sete perfis no Facebook. Todos falsos, não tenho Facebook. Houve uma banalização da palavra amigo. Amigo não se exclui, como se faz no Facebook. Artistóteles dizia que amigo são dois corpos com uma só alma. As pessoas, através das chamadas redes sociais, estabelecem laços que vêm faltando hoje no nosso cotidiano.
Qual sua opinião sobre as câmeras de segurança nas salas de aulas?
Neste momento, não tem como não fazer. É uma situação emergencial. Ninguém gosta de câmera de segurança dentro dos elevadores, dentro dos lugares que frequentamos. Elas indicam a falência nossa, um certo modo de dizer “não deu certo a política que foi implantada”. Tenho dificuldade em aceitar as câmeras dentro das salas de aula se a finalidade é a prevenção de alguma violência. Aceito mais pelas áreas de circulação. Não bastam câmeras, precisamos montar projetos que façam com que as câmeras sejam desnecessárias.
E a violência física e moral nas escolas?
Temos uma causa básica: o afrouxamento das regras disciplinares na convivência entre adultos. Uma sociedade onde cada vez mais jovens e adultos pouco se encontram na família, não convivem, não jantam juntos. O adulto que ele encontra no dia e cobra alguma coisa é o professor. Não é casual que os professores sejam, muitas vezes, objeto de uma reação violenta. Algumas famílias dão cobertura para esse tipo de indisciplina. Substituiu-se, em muitas escolas, a relação de reciprocidade e respeito pela de consumidor. O pai se ofende, do ponto de vista do consumo, se o filho é advertido ou recebe uma nota baixa. É comum o aluno colocar o dedo no nariz do professor e dizer que ele é que paga o salário do professor. Como a família, muitas vezes, é complacente com essa relação, porque muitas vezes ela não convive com o filho. É claro que é uma questão é muito marcante.
As famílias transferem para a escola suas obrigações?
A escola fornece educação escolar, que é um pedaço da educação. A família é a responsável primária pela educação dos filhos e o poder público, secundariamente.
Como escolher uma escola?
A primeira coisa é saber qual é o objetivo em relação à formação dos filhos. Quero uma criança que se forme para a competitividade exclusiva? Ou para uma prova de 100 metros com barreiras? Ou um maratonista? Que seja capaz de entender que ele vai precisar se preparar melhor, ter estratégias, saber dosar a força. Quero um filho competitivo ou cooperativo? Quero eu formar alguém que só tenha base científica? A escola servirá de acordo com o objetivo. A escola boa tem valores sólidos. Isto é, é necessário ter flexibilidade, que é diferente de volúvel. A escola flexível é capaz de ter elasticidade para se adaptar.
cortella@uol.com.br

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