quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Recife : Horário-limite para sambadas de maracatu é derrubado após audiência

Enviada por : Jailson Alves

Decisão foi fruto de reunião entre maracatuzeiros, MP, PM e sociedade civil.
Acordo servirá de base para outros folguedos, em outras cidades de PE


Encontro de maracatus rurais em Nazaré da Mata, em Pernambuco (Foto: Luka Santos / G1)

Em audiência realizada nesta quarta-feira (5), no Colégio Aplicação de Nazaré da Mata, na Mata Norte de Pernambuco, ficou decidido que maracatus de baque solto e virado do município poderão fazer sambadas até as 5h, conforme dita a tradição dos brincantes. Representantes de agremiações relataram, durante a reunião, convocada pelo Ministério Público, que a Polícia Militar tem restringido o término das apresentações às 2h, nos últimos dois anos.
Também ficou acordado que a organização dos ensaios será definida entre os maracatuzeiros e a Prefeitura após o Carnaval, a fim de que a a gestão possa oferecer a infraestrutura necessária para os eventos, como banheiros, rotas de desvio, serviços de saúde e acessibilidade. A Polícia Militar reforçou que os grupos precisam notificar a realização das apresentações com, no mínimo, 15 dias de antecedência para que a corporação organize o policiamento.


Maciel Salú (E), Siba (D, no alto) e Manoelzinho
Salustiano  participaram da audiência, nesta quarta
(Foto: Luna Markman / G1)
Conhecida como a capital estadual do maracatu, Nazaré da Mata tem hoje 22 grupos em atuação na Zona Urbana e um na Zona Rural. Em nome dos maracatuzeiros, o cantor e rabequeiro Maciel Salú ficou responsável por solicitar uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco, no Recife. "A nossa ideia é que os entendimentos acertados aqui em Nazaré sejam estendidos para todos os municípios, que estão sofrendo com isso também, e não só os maracatus, mas também os cavalos marinhos e outros folguedos", disse.
O presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Severino Cavalcanti, afirmou que o acordo firmado nesta audiência servirá de base para outras cidades. "Os ensaios não terão limitação de horário. O que aconteceu em Nazaré da Mata foi uma questão local, não configura medida proposta pelo [poder] Executivo. Não há, nunca houve orientação do Governo do Estado neste sentido. Vamos reforçar essa diretriz de livre manifestação", disse.
Entenda o caso
A audiência foi convocada pela promotora de Justiça de Nazaré da Mata, Maria José Mendonça, após receber um abaixo-assinado de moradores incomodados com o barulho das sambadas promovidas pelo maracatu Águia Dourada, no bairro de Sertãozinho, no fim do ano passado. "Em reunião no último dia 18 de dezembro, com representantes da agremiação, ventilou-se a ideia de concentrar as apresentações dos maracatus no parque de eventos da cidade. Então, na mesma época, convoquei essa audiência para entender em que circunstâncias essa manifestação ocorre e, com a Prefeitura, definir a sua organização e solicitar condições de infraestrutura para que ela aconteça", explicou.
De acordo com a promotora, a audiência não tem nenhuma relação com o incidente ocorrido, no último sábado (1°), com o maracatu Cambinda Brasileira. Na ocasião, policiais do 2°BPM interditaram a festa de um dos mais antigos maracatus rurais de Pernambuco, para que a celebração não passasse das 2h. A agremiação comemorava 96 anos de atividade, na ocasião.
Presente na audiência, o tenente-coronel Hélio Brito, do 2°BPM, explicou que um Termo de Ajustamento de Conduta foi assinado pelo maracatu, que limitava o evento até as 2h e os policiais foram ao local fazer cumprir os termos do documento. O tenente confirmou que a PM decidiu limitar o horário dos festejos às 2h na região. "Desde 2012, há um entendimento que a partir das 2h é o horário crítico das festas, só ficam bêbados", disse.

Acordo firmado na audiência servirá de base para outros
folguedos em outras cidades (Foto: Luna Markman / G1)
Argumentos
O tenente também usou como argumento a lei 14.133/2010 que estabelece que evento tem que ter início e fim, além da lei de crimes ambientais, que fala sobre pertubação do sossego. "Quando acontece uma sambada, o número de telefonemas para o batalhão aumenta, chovem reclamações e nós temos que agir. Nosso interesse não é impedir que o maracatu aconteça. Além disso, temos que garantir a segurança do local. A cultura não é um bem superior à vida", comentou.
A advogada Liana Cirne Lins, que integra o grupo Direitos Urbanos, destacou a falta de fundamento legal para a decisão da PM em restringir os horários das sambadas e ainda destacou que os maracatus estão em processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). "O dossiê entregue ao Iphan destaca, inclusive, que os maracatus pedem socorro para essa medida arbitrária", disse. Além dos maracatus de baque solto e virado, o cavalo marinho e os caboclinhos estão em processo para virar patrimônio imaterial do Brasil.
Antes da decisão de manter o horário costumeiro das sambadas, várias pessoas argumentaram sobre as peculiaridades do evento . "O maracatu é uma crença que atravessa séculos e não gera violência, mas sim emprego e logomarca para propagandas dos governos. Queremos respeitar a lei, mas também sermos respeitados", defendeu o rabequeiro Maciel Salú.
Promotora e PM, na audiência sobre sambadas de maracatus (Foto: Luna Markman / G1)Promotora convocou audiência para entender "as
circunstâncias da manifestação"; para o
tenente-coronel Hélio Brito, "cultura não é um bem
superior à vida" (Foto: Luna Markman / G1)
Já o vice-presidente da Associação de Maracatus de Nazaré da Mata, Manoelzinho Salustiano, apontou que os maracatuzeiros desconhecem seus direitos. "O povo assina termo de compromisso para terminar às 2h porque é inocente, por medo de ser preso, não tivemos educação de escola. Somos mesmos doutores em juntar gente e fazer festa. Nossos mestres estão sumindo e eles se formam nos ensaios que raiam o dia. Daqui a pouco, meus netos vão ter que pagar ingresso para ver maracatu em teatro", reclamou.
O cantor, compositor e músico pernambucano Siba denunciou que as regras para grandes eventos não se aplicam às sambadas. "Maracatus estão longe de reunir milhares de pessoas e acontecem poucas vezes ao ano. Não é preciso que a polícia acompanhe o evento a noite inteira. O histórico de violência é baixo. E colocar maracatus para ensair em locais específicos quebra a ligação que ele tem com o lugar a que pertence", defendeu.
Siba tem uma forte ligação com Nazaré da Mata, para onde mudou-sem em 2002 e mergulhou na atmosfera das cirandas e maracatus, tornando-se mestre. Na última terça (4), ele postou em sua página no Facebook uma nota que já foi curtida por mais 150 mil pessoas. "Ensaio de maracatu vai até o amanhecer, por costume secular. Para o maracatuzeiro, maracatu só é maracatu se amanecer o dia. Se não, vira 'folclore', palavra usada na região para denominar todo tipo de apresentação artificial, show pra turista, filmagem pra TV, etc", disse.
Ainda na nota, Siba fez um paralelo à recente medida da Prefeitura do Recife de encerrar a programação dos polos de folia às 2h. "Alguém aí consegue imaginar o Carnaval do Recife parando às duas da madrugada também? Não acho que leis de respeito ao silêncio pertinentes às grandes cidades devam ser aplicadas de maneira uniforme. O 'barulho' do maracatu é música celestial para uma enorme quantidade de pessoas onde ele existe e cada maracatu só faz sua festa uma ou duas vezes ao ano", ponderou.



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